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Densidade demográfica, desenvolvimento humano e preço do m²: algumas reflexões a partir de uma análise dos dados dos distritos paulistanos
“Qual é o melhor lugar para se viver em São Paulo? ”, perguntou um amigo que vai se mudar para a capital paulista e que, apesar de economista (como eu), não aceitou “depende” como resposta.
É claro que não existe uma resposta objetiva para a questão, já que a avaliação depende (sim, depende…) não só de inúmeras variáveis, muitas não disponíveis para análise, como também das próprias preferências do morador.
Há, por exemplo, quem, como eu, prefira as regiões de uso misto, com residências, comércios e empresas, com muita vida nas calçadas de dia e de noite, próximas a estações de trem ou metrô; enfim, onde seja possível fazer tudo a pé ou utilizando o transporte público.
Há, por outro lado, quem prefira viver em áreas estritamente residenciais, supostamente mais tranquilas, mas onde o carro se faz necessário para uma simples ida à padaria ou à farmácia.
Mesmo no caso de quem tenha preferências semelhantes às minhas, há quem se identifique mais com o distrito de Perdizes, como eu, e há quem prefira a Vila Mariana, a Santa Cecília ou a Bela Vista. E as razões podem ser afetivas (ter crescido no bairro, por exemplo), arquitetônicas (perfil dos imóveis disponíveis) ou tão subjetivas que nem sequer conseguimos identificá-las.
Ainda assim, entrei na brincadeira do meu amigo e, com o intuito de apresentar uma análise bem simples e objetiva, cruzei as informações do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de Densidade Demográfica (habitantes por km²) e de Preço Médio do m² dos 96 distritos paulistanos.
O IDH, composto por indicadores que medem educação, saúde e renda da população, talvez seja a principal tentativa de se medir a qualidade de vida de uma região. A ideia é que, quanto maior o IDH, maior, supostamente, a qualidade de vida. Em São Paulo, Moema apresenta o maior IDH, seguido por Pinheiros, Perdizes e Jardim Paulista.
A correlação positiva entre o preço do metro quadrado e o IDH me pareceu um tanto quanto óbvia, até porque a renda é um dos componentes do IDH. Colocar uma no eixo vertical e a outra no eixo horizontal de um gráfico, assim, não nos traria nenhuma reflexão nova. Para conhecimento, o m² mais caro de São Paulo fica em Moema, seguido por Pinheiros, Itaim e Jardim Paulista (lista bem parecida com a do IDH).
Vale lembrar, por outro lado, que preços elevados, especialmente quando associados a imóveis muito grandes, tendem a restringir a diversidade da população que vive ali; e, quanto maior a diversidade, mais interessante tende a ser a região — o que não necessariamente pode ser um atrativo, já que também há pessoas que preferem viver em lugares mais homogêneos.
Quando falamos de cidades, outra variável que me pareceu importante é a densidade demográfica. Como bem pontuou o arquiteto e urbanista Anthony Ling em entrevista recente para a Revista Exame, “a densidade por si só é apenas um indicador e não deve ser entendida como problema ou solução […]. Nas grandes cidades brasileiras, os bairros mais densos normalmente são os menos verticais: são favelas ou bairros que cresceram informalmente, onde as construções são coladas umas nas outras, e onde o espaço construído per capita é pequeno”.
Contudo, na tentativa de tentar traduzir as minhas impressões da cidade com dados (o porquê, por exemplo, de as pouco amigáveis ladeiras de Perdizes terem muito mais vida do que as ruas arborizadas e planas do Alto de Pinheiros ou do Jardim Europa), a densidade demográfica me pareceu uma variável interessante.
Afinal, especialmente em regiões que misturam comércio, trabalho e moradia, é a densidade elevada que viabiliza o surgimento de empreendimentos, o balé das calçadas; enfim, a vida social que emerge nos espaços públicos, fazendo referência aqui às ideias de Jane Jacobs.
Coloquei, então, todos os dados em um gráfico, com o IDH no eixo vertical, a densidade no horizontal e o preço do m² medido pelo diâmetro dos círculos. As retas cinzas indicam a densidade e o IDH médios, conforme é possível observar a seguir.
Os distritos com baixo IDH e alta densidade, como Capão Redondo, Itaim Paulista, Campo Limpo e Brasilândia, representam exatamente os casos a que Ling se referiu. Esses indicadores são reflexo tanto dos preços elevados no centro expandido como de políticas habitacionais que, ao longo de décadas, acabaram por jogar a população de menor renda para a periferia da cidade, onde a infraestrutura é pior, há menos empregos, menor oferta de serviços públicos e, consequentemente, menor qualidade de vida.
Entre os distritos com IDH bem acima da média, há tanto os bastante adensados, como Bela Vista, República, Santa Cecília, Liberdade e Perdizes, como outros relativamente pouco adensados, como Alto de Pinheiros, Morumbi, Barra Funda e Vila Leopoldina.
A Barra Funda, por sua localização privilegiada, se tornou nos últimos anos alvo do mercado imobiliário, e seus antigos terrenos industriais estão rapidamente dando lugar a novos prédios residenciais. O mesmo pode ser dito da Vila Leopoldina, onde parte da baixa densidade por ser atribuída ainda a presença do Ceagesp, o maior centro atacadista de alimentos in natura do país, cuja transferência para outro local continua em pauta.
Voltando à entrevista de Ling, é preciso ressaltar também que “temos muitos bairros altamente verticalizados com densidades surpreendentemente baixas, à medida que os edifícios são torres isoladas entre si, com amplas áreas livres condominiais ao seu redor, e onde as unidades são grandes e as famílias, pequenas”.
Não posso afirmar, porém, que se trata do caso dos distritos citados acima; mas, talvez, seja o caso de distritos como Moema ou Itaim, altamente verticalizados, no topo dos rankings de IDH e preço do m², mas com densidade inferior à média da cidade.
Já nos casos do Alto de Pinheiro e do Morumbi, a baixa densidade é reflexo, em grande medida, das leis urbanísticas, que restringem o uso dos imóveis, predominantemente residenciais, e mesmo do perfil homogêneo destes imóveis, de maneira geral muito grandes e ocupados por uma única família.O caso particular do Morumbi, por sinal, talvez seja um dos retratos mais simbólicos da segregação da cidade, com propriedades grandes e caras (mas com preço em queda na comparação com o auge da região) vizinhas à favela de Paraisópolis. Ele inclusive foi objeto de ótima análise do episódio “O declínio do Morumbi”, no canal São Paulo das Alturas, do Raul Juste Lores.
Entre os distritos com IDH e densidade bem acima da média, chamou atenção a República, que conta com excelente infraestrutura, possui imóveis dos mais diversos tipos e tamanhos, mas com um preço médio menor do que Bela Vista, Santa Cecília e Perdizes.
Esta combinação de variáveis, somada à infraestrutura e arquitetura de qualidade (afinal, estão ali ícones da cidade como o Copan, os edifícios Itália, Esther, Eiffel, Louvre, a galeria Metrópole e o Sesc 24 de maio, para ficarmos apenas em alguns), parece explicar a onda de novos, diversos e interessantes e empreendimentos que vinham surgindo na região, como A casa do porco (que sempre figura na lista de melhores restaurantes do mundo), a Megafauna Livraria, o Cineclube Cortina e os empreendimentos da economia criativa que migraram para a Galeria Metrópole, para ficarmos apenas em alguns exemplos.
Achei os resultados interessantes e resolvi apresentá-los em um post no Linkedin. O post teve alguma repercussão e gerou um debate muito rico, sendo que a questão mais apontada nos comentários foi o fato de eu não ter levado em conta problemas relacionados à degradação e à criminalidade na região, que se agravaram muito nos últimos tempos.
De fato, com a pandemia, cresceu muito o número de moradores de rua, que se concentram, principalmente, na região central da cidade. A dispersão da cracolândia em 2022 e o aumento recente da violência também se fazem sentir mais na região, que não é de hoje que sofre com a falta de zeladoria e a sensação de abandono.
Contradições de uma cidade extremamente desigual: são exatamente a degradação e a insegurança que parecem explicar os preços relativamente mais baixos dos imóveis no centro, o que ainda possibilita o acesso de pessoas de menor renda a uma região extremamente rica em história, cultura, infraestrutura, empregos, comércio e serviços.
Vitor Meira França é economista pela FEA-USP e mestre em economia pela EESP-FGV.
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