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Proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) deve entrar na minuta de revisão do Plano Diretor, que será divulgada para consulta pública
A Prefeitura de São Paulo pretende mudar um dos trechos mais polêmicos do Plano Diretor, a fim de facilitar a criação de mais vagas de garagem nos prédios do entorno de estações de metrô e corredores de ônibus. Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a alteração enfraquece um dos principais objetivos da lei, de desestimular o uso do carro onde há ampla oferta de transporte coletivo.
Há ainda o entendimento de que atende a uma demanda do mercado imobiliário e facilita a construção de unidades de médio e grande porte com mais de uma vaga – em sentido contrário ao da explosão na oferta de microapartamentos nos últimos anos.
A proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) deve entrar na minuta de revisão do Plano Diretor, que será divulgada para consulta pública nos próximos dias – é prevista para esta sexta-feira, 13. Mas essa data foi adiada várias vezes na última semana.
A mudança envolve os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana que abrangem a faixa de 150 metros de cada lado dos corredores de ônibus e o raio de 400 metros ao longo de estações de metrô e trem, cuja verticalização e aumento populacional são incentivados pela lei.
Os efeitos desse dispositivo são visíveis, por exemplo, na Avenida Rebouças e na Vila Madalena, áreas nas quais há uma profusão de obras. Nesses locais, há especialmente um boom de apartamentos pequenos. Como o Estadão mostrou, 250 mil compactos foram lançados na cidade de 2014 a 2020, grande parte nos eixos de estruturação.
A lei atual permite que os empreendimentos nos eixos construam “gratuitamente” um número de garagens igual ou inferior ao total de apartamentos, sem que sejam consideradas “áreas computáveis”.
Esses espaços não impactam no “coeficiente de aproveitamento” para construir, limitado a quatro vezes a área do lote. Com a mudança, esse incentivo abrangerá um apartamento a cada 70 m², facilitando a construção de unidades medianas e grandes com mais de uma garagem.
Revisão
O Plano Diretor é a lei que define regras e incentivos de desenvolvimento urbano, até 2029, na capital. De 2014, ele tem um artigo que prevê revisão em até sete anos, prazo que foi adiado três vezes por causa da pandemia e outros motivos apontados pela Prefeitura. A minuta proposta este mês passará por consulta e audiência públicas. Depois, uma versão final deve ser enviada à Câmara até 31 de março – e pode haver novos ajustes.
Coordenador do Laboratório de Projetos de Políticas Públicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Valter Caldana avalia que a proposta de revisão altera não só a lei, mas um dos conceitos-chave do Plano Diretor. “É contraditório”, diz, por permitir mais vagas em um local no qual o Município deseja maior aproveitamento do transporte coletivo.
Por outro lado, avalia que a mudança organiza e estabiliza uma norma contestada, dando segurança jurídica aos empreendimentos. Afinal, uma regra transitória permitiu que prédios com apartamentos (residenciais e mistos) ao longo dos eixos tenham significativa oferta de estacionamento. “O que vimos na cidade até agora é um volume enorme de apartamentos pequenos com vaga, o que é um contrassenso”, diz.
Alterações nas regras das vagas de garagem têm sido reivindicadas pelo mercado imobiliário desde 2014, quando foi aprovado o Plano. Em 2016, um artigo “anticrise” na Lei de Zoneamento permitiu uma regra de transição, em que uma vaga a cada 60 metros quadrados seria não computável em empreendimentos com apartamentos durante três anos.
Posteriormente, durante a revisão do zoneamento, que foi suspensa na Justiça, alterações no mesmo sentido foram propostas pela Prefeitura.
Também professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie, Antonio Claudio Fonseca avalia que a mudança é um meio termo entre a demanda original do Plano e a demanda do setor imobiliário. “É uma proposta mais compatível com a realidade da cidade. Tira esse caráter exagerado no tratamento da garagem”, afirma. “O metro quadrado de garagem hoje é caro.”
Para ele, a alteração deve estimular a produção de apartamentos de um ou mais dormitórios. “A crença no mercado é de que a fase dos estúdios está chegando ao fim”, diz. Ele associa essa mudança à “oferta muito grande, que preencheu rapidamente a demanda” por compactos nos últimos anos.
Mudanças
O Estadão teve acesso a um documento que resume as mudanças que serão propostas pela Prefeitura na revisão. Entre elas, há a proposta de reavaliar a inclusão ou exclusão de parques municipais a serem criados, a implementação de novos eixos de transporte e incentivos para a construção de Habitação de Interesse Social (HIS).
Professor de Urbanismo da Mackenzie, Valter Caldana avalia que a proposta de prioriza mudanças no que chama de área “entre rios”, que abrange o centro expandido e bairros do entorno em detrimento de locais mais periféricos e desassistidos de ampla oferta de transporte coletivo.
“Com essa revisão, o Plano Diretor segue focado fundamentalmente na cidade consolidada, super equipada. Continua devendo instrumentos modernos, de projeto, para a cidade real”, diz.
O documento também propõe mudanças nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIs), que poderão ser mais verticalizadas quando próximas dos eixos de transporte, desde que destinem ao menos 40% da área computável à população de mais baixa renda.
Professor do Instituto das Cidades da Unifesp, Kazuo Nakano avalia que uma mudança do tipo deve vir acompanhada do fortalecimento da fiscalização desses empreendimentos, pois parte deles hoje não acaba efetivamente como moradia desse perfil de público.
Para ele, a Prefeitura perdeu o controle em relação a empreendimentos habitacionais de interesse social, que tem muito incentivo a ser construídos. “Quando comercializados, são entregues para famílias de renda mais alta”, diz.
Na terça-feira, 10, em entrevista à Rádio Eldorado, Nunes disse ainda que pretende propor a “outorga zero” – sem a cobrança do pagamento da taxa – para Habitação de Interesse Social.
No caso dos parques, a Prefeitura quer rever a lista de novos parques a serem criados e, também, ampliar a aplicação da doação do terreno pela iniciativa privada mediante a transferência de potencial construtivo, como ocorreu no Parque Augusta, no centro. Nesse caso, as proprietárias ganharam créditos para construir gratuitamente em outros locais acima do coeficiente básico. “Tem que ver como ocorre essa revisão, porque a maioria desses parques estão em áreas periféricas, que precisam muito.”
No caso das ZEIs 1 e 3 – áreas habitadas por uma população predominantemente de baixa renda, como em parte das quadras próximas da Cracolândia – a revisão prevê mudanças nas atribuições dos conselhos gestores, formados por representantes de moradores, da sociedade civil organizada e da Prefeitura, que participam da decisão sobre planos e projetos de intervenção para as respectivas regiões.
O documento fala em um “aprimoramento da definição das atribuições” em relação “à participação na elaboração e implementação das intervenções.”
Instalação de indústrias
Na mesma entrevista, o prefeito afirmou que a capital “perdeu muitas indústrias” e que ele pretende facilitar a instalação por meio do novo Plano Diretor. “Facilitar essas ações, não ter tantas restrições de NR (Uso Não Residencial), é poder fazer com que a indústria, desde que não poluente, possa se instalar em mais regiões da cidade.”
Ele justificou a importância de revisar esse ponto do Plano, dizendo que a melhor ação para “reduzir desigualdade social é gerar oportunidade de emprego e renda”. A alteração poderia impactar, por exemplo, as dark kitchens (cozinhas industriais), que são consideradas atividades industriais desde 2022.
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