Prefeitura de São Paulo quer desincentivar construção de apartamentos 'feitos para Airbnb'

Município propõe fim de incentivo a microapartamentos, que passaram a ser construídos só para locação. Outras cidades no mundo criam regras para reduzir impacto da modalidade na oferta de moradia

Uma proposta da gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), busca colocar um freio na locação temporária ou flexível de imóveis, que se popularizou por meio de plataformas digitais, particularmente o Airbnb, nos últimos anos e que tem sido o destino de muitos dos microapartamentos que se proliferaram em empreendimentos pela cidade. É a primeira ação do município nesse sentido, no momento em que outras cidades do mundo tentam limitar esse mercado para evitar distorções na oferta de moradia.

O Airbnb se popularizou no Brasil a partir de 2014, na Copa do Mundo, inicialmente com a proposta de alugar temporariamente quartos nas residências dos anfitriões. Mas hoje o perfil dos anúncios mudou. Em São Paulo, casas e apartamentos inteiros para locação são 80%.

O aumento da locação flexível coincide com um boom imobiliário com foco principalmente em unidades pequenas, incentivado por leis urbanísticas municipais que agora a prefeitura quer alterar.

Dois benefícios previstos no Plano Diretor de 2014 e na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 2016 (Lei de Zoneamento) acabaram por impulsionar esse mercado. Um deles é o incentivo aos prédios que misturam unidades residenciais e não residenciais, os chamados “usos mistos”. Um dos tipos de unidades não residenciais previstos pela legislação é o de “serviços de hospedagem ou moradia”.

Um empreendimento perto de transporte público que tenha esse tipo de unidade ganha 20% de área a mais para construir sem ter de desembolsar taxa extra de outorga, um valor que as construtoras pagam à prefeitura pela autorização para erguer prédios. O outro fator foi a fixação de valores de outorga reduzidos para apartamentos pequenos.

Na prática, ficou vantajoso fazer microapartamentos classificados como não residenciais para locação temporária.

Na semana passada, a prefeitura propôs uma revisão da Lei de Zoneamento que fixa expressamente que a categoria de “serviços de hospedagem ou moradia” não mais será considerada uso misto e, com isso, incorporadoras não poderão mais incluir esse tipo de unidade para ter o benefício.

Ao propor a mudança, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento considerou que esse uso não “auxilia no atendimento dos objetivos de aproximação de emprego e moradia” dos benefícios para projetos de “uso misto”. A proposta deve ser enviada à Câmara Municipal até o fim do mês, e o texto poderá ser alterado pelos vereadores.

Atração de investidores
O projeto não restringe o funcionamento do Airbnb e similares na cidade, mas quer desincentivar apartamentos ou até mesmo prédios inteiros que já nascem exclusivamente para locação temporária. A popularização desse mercado criou todo um ecossistema de negócios, que envolve fundos de investimentos imobiliários e startups focadas em soluções para gerir esses imóveis, conhecidas como proptechs.

Em São Paulo, muitas incorporadoras têm feito parcerias com gestoras de unidades para locação temporária para que o investidor já receba o apartamento no “padrão Airbnb”.

É comum que os novos lançamentos imobiliários misturem unidades residenciais, com área maior, e estúdios, geralmente de até 30 metros quadrados, enquadrados na categoria não residencial. O público-alvo dessas unidades é muitas vezes o investidor.

“Garanta 12 meses de aluguel” é uma das promessas divulgadas em folhetos de lançamentos imobiliários em áreas mais centrais, caso o comprador do imóvel opte por contratar uma gestora no pacote.

Essas gestoras cuidam da reforma, decoração, limpeza, precificação, divulgação do apartamento nas plataformas e todo o contato com o hóspede, além de garantir de 80% a 95% de taxa média de ocupação. Em troca, recebem uma parte do valor das reservas.

Uma startup que faz esse serviço é a 360Suítes, criada em 2019. Debora Beda, CEO da empresa, comprou quatro estúdios em 2018 para locação temporária e diz que se apaixonou. Decidiu então transformar sua expertise na gestão das próprias unidades em uma empresa. Hoje cuida de 2 mil imóveis em São Paulo e no Rio, com ocupação média de 80%.

— Oferecemos uma solução completa ao proprietário: decoração, atendimento, limpeza, pagamento de contas, preço, divulgação. Temos parcerias com incorporadoras e ajudamos até na escolha dos imóveis, onde é melhor investir— diz Debora, que não quis comentar a revisão da lei.

Outras cidades do mundo fazem um cerco ao aluguel temporário. O exemplo mais recente é Nova York, que no início do mês determinou que quem quiser alugar por plataformas como Airbnb, Booking e Vrbo terá de pedir uma autorização à prefeitura.

Os anúncios de anfitriões sem autorização começaram a ser automaticamente excluídos das plataformas, e quem violar as regras pode pagar multa de US$ 5 mil por infração. Theo Yedinsky, diretor global de Políticas Públicas do Airbnb, classificou a regra como “um golpe” para a economia da cidade.

Em Lisboa e Berlim também é necessária licença municipal para a locação de curto prazo. Na capital portuguesa, novas licenças para o centro histórico foram suspensas em 2022. Em Paris, além do cadastro, há limite de 120 dias por ano para alugar nessas plataformas.

Impacto no aluguel
O impacto da locação temporária no mercado imobiliário brasileiro ainda é pouco analisado. Uma pesquisa publicada neste ano pelo cientista de dados Igor Gushiken como dissertação do mestrado em Economia na FGV concluiu que, no Rio, 1% de aumento na oferta de anúncios ativos do Airbnb gera alta de 0,07% nos aluguéis residenciais da cidade.

Mas em bairros com mais de 80% de moradias próprias, e portanto com menor oferta para locação, como Barra e Recreio, o impacto é maior: 0,14% de aumento.

Em 2022, o Airbnb teve lucro de US$ 1,9 bilhão no mundo — no Brasil, segundo a própria empresa, houve aumento de 50% em novos anfitriões só no segundo trimestre do ano passado frente ao mesmo período de 2021.

A empresa não divulga dados locais, mas, de acordo com o AirDNA, que coleta e analisa dados sobre o Airbnb, o Brasil tem 425 mil anúncios. O Rio lidera com 34,5 mil, seguido por São Paulo, com 27,6 mil.

Tema divide opiniões
Ainda é difícil mensurar o impacto da proposta da prefeitura em São Paulo, já que não há um levantamento de quantos imóveis são classificados como serviços de hospedagem ou moradia. O presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Claudio Bernardes, critica a ideia. Diz que a locação temporária compete com os hotéis, não com o aluguel de longo prazo:

— Esse benefício deveria ser mantido porque é algo de que a cidade precisa. Pode-se tirar do mercado ofertas de vagas de hospedagem, o que impactaria a lei de oferta e procura e aumentaria o custo de se hospedar em São Paulo.

Já o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Nabil Bonduki diz que a revisão planejada pela prefeitura é “fundamental”, porque o descontrole na locação temporária afeta a oferta e encarece o aluguel convencional, especialmente nas áreas centrais. Para ele, imóveis para hospedagem são “extremamente importantes” para a economia de grandes metrópoles, mas é preciso haver regras.

— A política urbana de São Paulo tem procurado estimular habitação em áreas centrais para maior acesso a empregos com menos necessidade de longos deslocamentos, mas as moradias nessas áreas concorrem com o aluguel temporário — diz Bonduki, que autuou no Plano Diretor de 2014.

Em nota, o Airbnb afirmou que “trabalha em parceria com o setor público para continuar a contribuir com o desenvolvimento do turismo em todas as regiões do país” e que “boas políticas devem criar oportunidades tanto para proprietários de imóveis obterem renda extra como para as comunidades locais que se beneficiam do impacto positivo que o fluxo de hóspedes gera na economia local em diferentes setores.”

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