Boom no Mercado Imobiliário: Quanto Tempo Vai Durar?

Pelas contas do Secovi-SP, a capital paulista ganhou 81.841 novas unidades residenciais no ano passado, um salto de 36% a 2020

“O cenário está bem simpático para os nossos negócios”, diz o espanhol Isidro Diez, de 77 anos.

Quem circula por São Paulo tem boas chances de já ter lido o nome da companhia dele por aí.

É a demolidora Diez, uma das maiores da capital. Com o recente boom do mercado imobiliário, que está verticalizando quadras e mais quadras paulistanas, a empresa nunca trabalhou tanto.

Se ela fazia cerca de 80 demolições por ano até 2019, de 2020 para cá a média anual subiu para 300.

Hoje imersa em quase 30 demolições, a Diez foi fundada em 1959 pelo pai de Isidro, que tinha o mesmo nome e morreu há mais de 30 anos.

Também nascido na Espanha, o pai veio tentar a sorte no Brasil em 1952. O plano inicial era fincar raízes na Venezuela.

Mas, antes de aportar naquele país, o navio que o trouxe da Europa fez escala em São Paulo.

“Depois eu pego outro barco e vou para a Venezuela”, decidiu o espanhol, que acabou ficando por aqui. Três anos depois, vieram a mulher e os filhos.

“Estamos confiantes de que 2023 será um ano ainda melhor para o mercado imobiliário que 2021”, diz Ariel Frankel, da Vitacon.

Atualmente, a Diez põe abaixo quadras inteiras em até 90 dias – em bairros como Sumaré e Vila Madalena não faltam exemplos.

A demolição de um sobrado leva cerca de cinco dias. “Quando a empresa começou, eram no mínimo três meses”, lembra o dono.

Isso porque as demolições, inicialmente, eram 100% manuais, na base de marretadas.

Sequer havia caminhões basculantes, aqueles que descarregam o entulho sozinhos, ou maçarico de corte, que facilita o rompimento de vergalhões.

Na falta de soluções do tipo, adotadas só a partir dos anos 1970, o jeito era esvaziar os caminhões com pás e se contentar com aquelas serrinhas para cortar ferro.

Com o passar dos anos, surgiram equipamentos mais sofisticados, a exemplo das escavadeiras próprias para demolições, que aceleram o trabalho e diminuem os custos com folha de pagamento.

Aquelas famosas bolas de demolição, atadas a guindastes, foram abandonadas na década de 1990.

“Só podiam ser usadas quando não havia nenhuma outra construção em volta”, lembra Diez.

“Porque depois de soltar uma bola do tipo não dá para saber onde e quando ela vai parar.”

Durante um bom tempo, os dois Isidros também se juntaram à turma do trabalho braçal.

Hoje o que está vivo comanda a área comercial e o filho mais novo dele, o engenheiro Andrés Diez, de 29 anos, se encarrega da parte operacional.

Também engenheiro, o primogênito, Pablo Diez, de 32, chefia a segunda empresa da família, a Brasolo.

Fundada em 2010, essa é um desdobramento da primeira: é especializada em executar fundações, que ajudam a dar um novo destino para parte do entulho acumulado com as demolições. Registre-se que 96% dele é reciclado, de acordo com a demolidora.

“A Diez e a Brasolo já faturam quase o mesmo tanto”, diz Andrés. A família não revela quanto embolsa, nem quanto cobra pelos serviços que oferece.

“Nenhum orçamento é igual ao outro, pois a complexidade nunca é a mesma”, Isidro desconversa.

Para demolir parte do hotel Ca’d’Oro, em 2010, a companhia levou quase seis meses – com sua torre de 28 andares, o hotel no centro paulistano reabriu em 2016.

Incontáveis intervenções urbanas, a maioria delas em São Paulo, tiveram dedo dos Isidros.

Foram eles que demoliram parte dos casarões históricos da avenida Paulista, por exemplo.

A serviço do conglomerado espanhol Acciona, responsável pela construção da Linha 6-Laranja do Metrô, fizeram mais de 70 demolições para abrir espaço para as futuras estações.

Que o mercado imobiliário vive um momento de euforia, ninguém discute. Pelas contas do Secovi-SP, a capital paulista ganhou 81.841 novas unidades residenciais no ano passado, o que representa um salto de 36% em relação a 2020 (ou de 25% em comparação a 2019).

O valor geral de vendas (VGV) correspondente passou de R$ 31,9 bilhões em 2019 para R$ 26,5 bilhões em 2020.

No ano passado, pulou para R$ 40,6 bilhões. Até maio deste ano, foram lançadas 22.685 unidades residenciais, que totalizaram um VGV de R$ 11,7 bilhões.

As vendas se mantêm em alta desde 2016, sobretudo a partir de 2019, quando 49.224 unidades foram comercializadas na cidade.

No ano seguinte foram 51.417 e, em 2021, 66.092. O boom se deve, sobretudo, ao período no qual a Selic se manteve em baixa – até chegar a 2% ao ano, em agosto de 2020.

Mas a escalada dessa taxa e a inflação descontrolada não parecem ter jogado um balde de água fria no setor (pelo menos não até agora).

Em maio deste ano, o último mês sobre o qual o Secovi-SP se debruçou, 6.838 novas unidades residenciais foram vendidas na capital. Equivale a um salto de 16,2% em relação ao mesmo mês de 2021.

“O mercado imobiliário segue como um dos protagonistas no processo de recuperação da economia brasileira”, diz Luiz Antonio França, que preside a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, a Abrainc.

“O brasileiro vê a compra do imóvel como uma forma de proteger parte do patrimônio da alta inflacionária e de obter ganhos reais no longo prazo.”

Pelas contas da entidade, o total de novos imóveis comercializados aumentou 6,2% no primeiro trimestre de 2022, em comparação ao mesmo período do ano passado.

Não faltam críticos à verticalização que esse boom tem posto em marcha, por alterar o tecido dos bairros.

Diz Veronica Bilyk, coordenadora do Pró-Pinheiros, entidade que une 12 associações de moradores de um dos bairros mais afetados pela onda: “Não tem um quarteirão livre de alguma construção”.

A entidade criou um abaixo-assinado para convencer a prefeitura a evitar a edificação de um quadrilátero e, na tentativa de frear a verticalização na região, defende a revisão do Plano Diretor.

“Não estamos dizendo que não admitimos nenhuma construção vertical, mas as construtoras perderam a mão. Estão descaracterizando o bairro.”

A queda do preço médio do metro quadrado em São Paulo, entretanto, sugere que o boom imobiliário pode estar perdendo força.

A Loft Dados, o núcleo de pesquisas da startup Loft, analisou 176 mil vendas registradas pela prefeitura paulistana entre janeiro de 2019 e maio deste ano. E concluiu que o valor dos imóveis caiu 5,5%.

Os novos proprietários pagaram em média R$ 4.598 por metro quadrado nos cinco primeiros meses de 2022, em valor corrigido pela inflação.

No mesmo período do ano passado, foram R$ 4.865. Em relação a 2020 (R$ 4.915), houve redução de 6,4%.

“Os preços caíram por conta da incerteza inerente à crise”, diz Rodger Campos, gerente de dados da Loft.

“O desaquecimento faz com o que os preços diminuam para tentar acomodar o mercado.”

A principal dor de cabeça do segmento é a alta nos preços de matérias-primas indispensáveis – e a maior explicação para os altos valores dos novos apartamentos.

De 2020 para cá, o cimento subiu 39%, enquanto tijolo e peças cerâmicas aumentaram 46%.

Já o vergalhão de aço registrou variação de 101% no mesmo período. Em maio, porém, a tarifa para importação de produtos do tipo caiu de 10,8% para 4%, o que deu um pequeno alívio para a construção civil.

Para a incorporadora paulistana Even (EVEN3), que detém 45% da gaúcha Melnick, o começo da pandemia foi aflitivo.

“Tomamos um susto”, recorda Marcelo Dzik, diretor executivo da companhia. “Era muito difícil prever para onde a economia iria.”

Naquele ano, a empresa registrou VGV de R$ 1,5 bilhão com novos lançamentos – em 2019 foram R$ 2,2 bilhões.

“Mas logo o mercado imobiliário ganhou força e não só por culpa das taxas de juros favoráveis”, acrescenta o executivo.

“Com as restrições ao turismo, muita gente resolveu investir em moradias melhores e maiores.”

Em 2021, o VGV da Even saltou para R$ 2,9 bilhões, o que representou um crescimento de 84% em relação a 2019.

Ela lançou 18 empreendimentos, a metade deles em São Paulo e a outra no Rio Grande do Sul, e adquiriu a mesma quantidade de terrenos.

A receita líquida chegou a R$ 2,3 bilhões, ou 36% a mais que a de 2020. Até aqui, o VGV do grupo com lançamentos em 2022 é de cerca de R$ 1,4 bilhão.

“Inflação e juros altos não são boas notícias para o setor, mas nosso público-alvo ainda tem capacidade para financiar seus imóveis”, acredita o diretor-executivo da Even, que dá preferência a projetos de médio padrão para cima.

Como inúmeras pessoas, Dzik torce para que a Selic comece a desinchar. “Seria bom para o país”, diz.

Para cair nas graças da turma que aderiu ao regime híbrido de trabalho – e daqueles que não pisam mais no escritório -, a Even lançou uma novidade na pandemia: edifícios com duas torres, uma residencial e outra comercial.

Até aí, nada de novo. No preço de todo apartamento desses empreendimentos, no entanto, está incluso um escritório na segunda torre, com direito a entrada independente.

“Criamos uma solução para quem quer separar o home office da rotina familiar e receber eventuais clientes de maneira mais profissional”, resume Dzik.

O Arbo, no Alto de Pinheiros, e o Portugal 587, no Brooklin, são os primeiros empreendimentos a adotar o tal conceito.

Outra incorporadora que soube aproveitar os ventos favoráveis é a paulistana Idea!Zarvos.

Ela nasceu como uma empresa de garagem, em 2005, e se notabilizou pelos edifícios assinados por grandes arquitetos como Thiago Bernardes, Marcio Kogan e Isay Weinfeld.

O primeiro edifício que deu fama à companhia, o 360º, na Vila Ipojuca, foi projetado pelo último do trio.

Com lobby rodeado por espelhos d’água, lembra uma porção de contêineres empilhados.

Entregue em 2013, sagrou-se “vencedor geral” e “melhor prédio residencial” na edição de 2009 do prestigioso prêmio Future Projects Awards, ligado à revista inglesa “Architectural Review”.

Quando começou a pandemia, a incorporadora do paulistano Otavio Zarvos tinha entregue 36 empreendimentos, sobretudo na Vila Madalena e arredores, e estava erguendo mais seis.

De lá para cá, a empresa triplicou de tamanho e expandiu seus domínios para bairros que ainda não estavam no radar, como Itaim Bibi e Jardins.

Agora a Idea!Zarvos soma 40 empreendimentos concluídos e está às voltas com dez edifícios em obras e outros 25 em fase de projeto – num futuro não muito distante, portanto, chegará a 75 unidades.

Um dos mais recentes lançamentos é o Tuca, em Perdizes. Projetado pelo escritório de arquitetura MMBB, o prédio de nove andares terá varandas intercaladas sustentadas por uma estrutura metálica aparente que será instalada na fachada.

Como vários dos novos empreendimentos residenciais da Idea!Zarvos, o Tuca se dobrou ao advento do regime híbrido de trabalho: vai dispor de uma área de coworking.

Vários outros lançamentos da incorporadora, por sinal, preveem home offices nos apartamentos.

Os prédios da companhia custam, geralmente, 10% a mais que os da concorrência e por isso são vendidos por valores 5% acima – a preferência por arquitetos renomados, projetos mais complexos e materiais mais nobres explicam os acréscimos.

Os projetos mais vultosos têm sido financiados pelos fundos de investimento HSI e Paladin, que também costumam comprar terrenos por conta própria e bater na porta da Idea!Zarvos em seguida.

Conhecida pelos imóveis compactos, a Vitacon vivenciou cerca de três meses de tensão no início da pandemia.

Naquela época, afinal, muitas pessoas resolveram se refugiar no campo – pelo menos as que dispunham de meios para isso – e várias delas sem planos de voltar.

O fenômeno fez com que condomínios no interior de São Paulo, a exemplo da Fazenda da Grama, em Itupeva, e da Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz, ficassem ainda mais disputados e caros.

E jogou uma sombra de apreensão sobre o futuro dos empreendimentos compactos.

Os da Vitacon são desenhados para quem passa a maior parte do dia na rua e gosta de conviver com desconhecidos, duas atitudes desaconselhadas na época da quarentena.

Erguidos em meio a centros empresariais, ao longo de grandes eixos de locomoção ou nos arredores de estações do Metrô, estimulam o uso de bicicleta e apostam várias fichas em espaços compartilhados.

“Criou-se um certo sensacionalismo no começo da pandemia, é verdade, a respeito da permanência das pessoas nas cidades”, lembra Ariel Frankel, CEO da Vitacon.

“Mas mudanças desse tipo não acontecem de uma hora para outra. Um pequeno nicho pôde investir em uma segunda residência no campo, mas nada que afetasse a procura pelas moradias urbanas.”

Para tornar seus empreendimentos mais atrativos no contexto pandêmico, a empresa passou a investir mais em apartamentos maiores e mais confortáveis e a caprichar mais nos espaços comuns.

Nas áreas de coworking, por exemplo, cada vez mais frequentadas, foram instaladas divisórias para garantir a privacidade dos usuários.

As portarias ganharam setores refrigerados, próprios para o armazenamento de pedidos de delivery, que explodiram na quarentena.

No ano passado, a Vitacon registrou VGV de R$ 1,2 bilhão com novos lançamentos.

A meta, para 2022, é repetir a mesma cifra, embora uma queda de 10% não se mostre improvável.

“Este ano está mais desafiador”, reconhece Frankel. “Uma hora ou outra, porém, a Selic vai voltar a cair. Estamos confiantes de que 2023 será um ano ainda melhor para o mercado imobiliário que 2021. E especialmente para empresas já consolidadas como a nossa.”

A Vitacon foi fundada pelo irmão de Ariel, Alexandre Frankel, que hoje é CEO da Housi.

Spin-off da incorporadora, a Housi nasceu em 2019 e oferece moradia por assinatura.

Mobiliados, os apartamentos disponibilizados podem ser alugados por meses e anos a fio ou até mesmo por uma única noite – basta acessar a plataforma da empresa.

Os valores cobrados incluem água, luz, TV a cabo, internet e até utensílios de cozinha.

A Housi nasceu com o intuito de aumentar a rentabilidade de quem adquire apartamentos para investir e, consequentemente, acelerar as vendas das incorporadoras.

A empresa também oferta inovações como fechaduras inteligentes, que se valem de smartphones, smartwatches, senhas ou cartões de acesso, e dispõe de uma solução que facilita o agendamento de áreas comuns dos prédios.

E o aplicativo da empresa facilita a contratação de quase 50 serviços – de lavagem de roupas ao aluguel de eletroportáteis.

Hoje a companhia marca presença em mais de 300 prédios, espalhados por 120 cidades Brasil afora.

Quando começou a pandemia, a atuação dela se limitava a duas capitais: São Paulo e Rio de Janeiro.

“A Housi também surfou essa onda do mercado imobiliário”, diz Alexandre, que continua na sociedade da Vitacon.

“A companhia cresceu 60% na pandemia e, de maio de 2021 a maio deste ano, o faturamento aumentou 400%.”

A empresa já estabeleceu parcerias com mais de 130 incorporadoras, entre as quais a Vitacon, claro, que abriu as portas de todos os seus edifícios para ela.

Em cada prédio ao qual se associa, a Housi investe cerca de R$ 500 mil, custeados por ela, para disponibilizar seu ecossistema aos moradores.

“Com a pandemia, as pessoas passaram a gastar muito mais dinheiro sem sair de casa”, justifica o CEO da empresa, que soube lucrar com essa tendência.

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