Boom da locação flexível cria novo mercado e atrai investidores na cidade

Segundo especialista do segmento, negócios envolvendo imóveis pequenos representaram 30% das vendas na capital paulista nos últimos 12 meses

Espalham-se pela cidade folhetos e outdoors de lançamentos imobiliários com frases como “Compre para investir” ou “Tenha 12 meses de aluguel garantido”. Mas não se trata de aluguel convencional, e sim da chamada “locação flexível”, de curta temporada e feita em plataformas como Airbnb e Booking, que têm ganhado força na capital nos últimos anos, tornando-se um chamariz para investidores no mercado imobiliário e influenciando no perfil de construção de apartamentos e ocupação da cidade.

As plataformas não informam dados locais, mas segundo o site Airdna, que faz análise de dados mundialmente sobre esse tipo de locação, há 17 771 anúncios ativos somente na cidade de São Paulo no Airbnb, sendo 78% de unidades inteiras.

O apelo pela nova forma de alugar apartamentos via aplicativo com boa localização, já mobiliados e decorados, com dias pré-definidos e pagamento antecipado via cartão de crédito mudou a rotina do icônico edifício Copan, na República. Por lá, a arquitetura do prédio e a vista foram os atrativos que levaram Judson Sales a criar o Airbnb no Copan, que hoje administra 45 apartamentos no local.

“Eu sou um morador do Copan, tinha um apartamento, mas mudei para um maior. Em 2014, logo após a Copa do Mundo, resolvi colocar para alugar no Airbnb e deu certo. Aí alguns vizinhos me procuraram perguntando como divulgar os apartamentos deles, e foi crescendo. Eu cobro um porcentual das pessoas em relação ao que elas ganham com a locação e administro toda a parte de recepção, decoração, limpeza”, conta. Ele afirma que metade dos hóspedes já mora na cidade, mas eles querem ter uma experiência no prédio histórico. Em média, a estadia dura de dois a três dias, e a taxa de ocupação gira em torno…

Mas o crescimento desse mercado vai muito além e a cidade tem virado uma verdadeira indústria da locação temporária, com o foco em empreendimentos pensados exclusivamente para esse serviço, especialmente em regiões próximas ao transporte público. Quem quiser alugar um apartamento de 30 metros quadrados na Vila Mariana, na Zona Sul, perto da estação de metrô, vai despender entre 3 000 e 4 000 reais com condomínio por mês. Mas uma locação de trinta dias na mesma região via plataformas de locação flexível pode ultrapassar os 7 000 reais. Essa vantagem financeira foi um atrativo para o empresário Tabajara Garcia, que comprou um imóvel em Moema, na Zona Sul, por 380 000 reais justamente para locar pelo Airbnb. “Os números mostravam que seria melhor do que uma locação tradicional. É uma região próxima ao metrô e ao shopping. A diária varia de 250 até 850 reais, a depender dos eventos que acontecem em São Paulo. O investimento tem dado retorno”, conta ele, que diz ter uma taxa de ocupação que ultrapassa os 80%.

Esse mercado em plena ascensão impulsionou as proptechs, ou startups que desenvolvem tecnologias na área imobiliária. Essas empresas têm se aliado às construtoras para desenvolver, desde a concepção, apartamentos para moradias temporárias.

Um exemplo é a Charlie, gerenciadora de aluguel criada em junho de 2020 e que hoje administra 1 300 unidades na cidade. Na prática, o dono do imóvel contrata uma gerenciadora para deixar o apartamento pronto para ser colocado nas plataformas de locação temporária. Isso inclui a reforma e a decoração — ar-condicionado, internet, cafeteira, frigobar, micro-ondas e cooktop, além de copos, pratos e talheres, são itens básicos nas unidades, bem como enxoval completo de roupas de cama e toalhas — até divulgar o imóvel nas plataformas, com as fotografias e análises de preços, e o posterior contato com os hóspedes. Em troca, a startup cobra taxas sobre as locações. “Esse modelo demanda um esforço muito grande do proprietário, porque o imóvel tem uma rotatividade muito maior, é preciso buscar cliente, deixar o apartamento totalmente mobiliado, dar atendimento. É uma demanda crescente e tem muitos investidores buscando. E uma das nossas premissas é atuar de forma concentrada, com um volume grande de apartamentos dentro do mesmo prédio”, conta o CEO e cofundador do Charlie, Allan Sztokfisz.

B.Homy é outra operadora do setor e existe desde 2015. A empresa começou fazendo a ponte entre os proprietários de imóveis e as plataformas de locação temporária, mas com o crescimento da demanda vieram as parcerias com as incorporadoras. “Quando compra um imóvel, o investidor tem uma dor de cabeça porque recebe no contrapiso, e a gente resolve esse problema com a reforma e a gestão”, explica William Astolfi, cofundador e CEO da empresa. A B.Homy opera em volume dentro de um só edifício ou de forma mais pulverizada. “Um proprietário tem um imóvel no Itaim e outro nos Jardins, a gente avalia e vê se tem potencial para locação flexível e, se tem, a gente opera. Há muitos estúdios, mas também apartamentos de dois e três quartos que performam muito bem. Na região da Berrini, o chamariz são os escritórios. A região da Paulista e Jardins tem a parte mais cultural, a região de Pinheiros tem a boemia, o Itaim Bibi é mais corporativo, perto do (Albert) Einstein há pessoas que fazem tratamento médico. São Paulo tem uma demanda muito forte. São mais de 300 unidades sob gestão”, conta. Em Pinheiros, a Avenida Rebouças tem sido um local especialmente procurado para essas estadias, com diversos novos empreendimentos focados nesse mercado.

Um outro exemplo é a Housi, que começou com o gerenciamento de aluguel, mas hoje criou um ecossistema tecnológico e um esquema de franquias para operar prédios inteiros com sua própria identidade visual e serviços sob demanda, como piscina, academia, faxinas extras. “A ideia é prover uma moradia flexível em que as pessoas não tenham nenhum tipo de burocracia. A pessoa mora por quanto tempo quiser, sem nenhum tipo de contrato super complexo, atrasos. Nós temos uma série de itens embarcados que vão desde a concepção do prédio, de como funcionam as áreas comuns, e temos inúmeros serviços e soluções para além da moradia, como carro e bicicleta por assinatura, carregador de carro elétrico, mercado, adega, uma série de produtos de conveniência, farmácia, pet shop”, explica Alexandre Frankel, CEO da Housi.

Em São Paulo, o boom de moradias temporárias ganhou um incentivo no Plano Diretor, de 2014, e na Lei do Zoneamento, de 2016. Isso porque essas leis dão benefícios a imóveis de usos mistos, que misturam unidades residenciais e não residenciais — e dentro dessa última categoria estão as unidades classificadas como serviços de hospedagem ou moradia, as NR1-12. Um empreendimento com esse tipo de unidade ganha 20% de área extra para construir, sem ter de desembolsar uma taxa extra de outorga onerosa, que é um valor que as construtoras pagam à prefeitura para erguer seus prédios. A ideia da legislação era misturar, nos mesmos condomínios, residência e comércio, para gerar empregos. Mas o crescimento de moradias temporárias, que não geram grande fluxo de emprego e que possibilitam aluguéis mais caros, gera preocupação de urbanistas.

A arquiteta e urbanista Daniela Fajer, mestranda na Universidade Federal do ABC (UFABC), diz que ainda não é possível verificar como essa nova produção imobiliária está impactando o adensamento na cidade pela falta de dados das plataformas e da própria prefeitura, mas acredita que o aumento da construção das unidades NR1-12 gera um “desvirtuamento” do benefício do uso misto. “Na medida em que a ideia com o uso misto era promover esse mix de uso aproximando a moradia do trabalho, na verdade a gente tem uma superprodução de unidades para morar, e não para comércios, serviços”, aponta. Ela é uma das autoras de um artigo que analisou 327 alvarás de aprovação de novos edifícios em São Paulo entre 2017 e 2021, e verificou que a categoria “serviços de hospedagem ou moradia” foi incluída em 106 deles. Destes, 83% estão localizados em regiões próximas a estações de metrô, trens ou corredores de ônibus.

A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento informou que não tem um levantamento sobre quantos alvarás foram concedidos nessa categoria e que a revisão em curso da Lei de Zoneamento e do Plano Diretor não traz nenhuma alteração em relação ao tema.

Para Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, é necessário que a prefeitura leve em consideração o crescimento de aluguel temporário para definir políticas públicas. “Na locação temporária, é possível alugar de maneira flexível, colocar valores diferentes para dias diferentes, e você só consegue fazer isso em locais atrativos, com transporte público, que têm equipamentos culturais. Então a gente não só está tirando unidades de locação de longo prazo da cidade, mas estamos tirando unidades muito bem localizadas. É um mercado que cresce, mas não tem monitoramento da prefeitura. Onde são os apartamentos, quantos são? É preciso monitorar”, destaca.

A discussão sobre os efeitos da locação temporária nas cidades tem sido cada vez mais frequente ao redor do mundo, sendo o aumento no preço médio de aluguel de determinados bairros e cidades a maior das preocupações. Lisboa, por exemplo, suspendeu novas licenças para imóveis focados em moradias por temporada e turísticas, e os existentes deverão pagar taxas extras. Em Barcelona, os apartamentos precisam de uma licença específica para operarem estadias temporárias e há limitações de prazos de locação.

Por aqui, imóveis residenciais ou não residenciais podem ser disponibilizados nas plataformas de moradia temporária, já que não há legislação específica sobre isso. Os condomínios, porém, podem aprovar a proibição à prática em assembleia.

Não há nenhuma regulamentação sobre o tempo máximo de locação. Alguns players do mercado entendem que seria possível a locação de no máximo noventa dias, mas a Charlie e a Housi, por exemplo, afirmam que as unidades podem ser alugadas por meses ou anos — apesar de estadias mais longas serem incomuns.

Fatima Tadea, sócia da área de direito imobiliário do escritório Machado Meyer, ainda destaca que não há uma regulação específica sobre os proprietários poderem ou não morar nas unidades classificadas especificamente como serviços de hospedagem ou moradia. “A princípio, não pode morar. Segundo a legislação, o uso não residencial é para serviços e comércios, então não serviria para moradia. Quanto ao prazo, a short-stay geralmente é entendida como noventa dias, e, ainda assim, seria uma locação com serviços para ter mais segurança jurídica, mas não há um prazo específico”, opina.

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